Censura ronda mostra de Evandro Prado em Campo Grande (MS)

Mapa das artes, 25 de maio de 2006

Evandro Prado é um artista de Campo Grande (MS), contemporâneo. No entanto, o que ele vive atualmente parece mais uma cena de 500 anos atrás, faz lembrar dos “feitos” da inquisição. Prado abriu no dia 11 de maio a mostra “Habemus Cocam” no Marco (Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande), onde fica em cartaz até 30 de junho, se a programação for seguida. Isso porque, desde o início da exposição, políticos e pessoas ligadas à igreja católica querem a cancelar.

Em abril, o CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) censurou a obra “Desenhando com Terços”, da artista Márcia X (1959-2005), da exposição “Erótica - Os Sentidos da Arte”. Uma só notícia dessas já seria muito, mas são logo duas histórias bastante semelhantes e em muito curto período de tempo. Parece até que estamos em época de ditadura militar.

O artista Evandro Prado apresenta no Marco, por exemplo, uma lata de Coca-Cola no lugar de onde deveria originalmente estar o sagrado coração de Jesus. O trabalho é baseado em um texto de Frei Beto, que constata que a nossa sociedade cultua certas marcas como se fosse religião - ou seja, afirma que há um culto às mercadorias e ao dinheiro. Vereadores, deputados estaduais e representantes da igreja católica de Campo Grande não entenderam assim a exibição, e querem acabar com ela.

Eles alegam que “Habemus Cocam” profana a igreja católica. Um dos cabeças do repúdio é o vereador Paulo Siufi (PRTB). Esses políticos entram então na história como defensores dos valores pregados pela igreja. Assim, Evandro Prado se meteu em um vespeiro.

O artista tem um trabalho da mesma série (intitulado "Em Casa de Capitalista Coca-Cola é Santa") selecionado pelo Rumos Itaú Cultural Artes Visuais 2005-2006. O trabalho, também sobre a religião do consumo e o culto ao consumismo, integra a exposição “Paradoxos Brasil”, em cartaz no Itaú Cultural até 28 de maio. O concorrido programa selecionou 78 artistas de todo o Brasil, entre 1342 inscritos. A mostra segue depois para Rio de Janeiro (RJ) e Goiânia (GO).

O “Mapa das Artes” tentou falar com o vereador Siufi e com o artista em 24 de maio, por e-mail. Evandro respondeu de imediato; a resposta do vereador ainda não foi enviada.

Veja a íntegra da declaração de Evandro Prado:

“Desde que foi aberta minha exposição no Marco - Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande, dia 11 de maio, onde estou expondo cerca de 21 pinturas e 12 objetos, grupos ligados à igreja católica, vereadores e agora até mesmo deputados estaduais têm feito movimentos a fim de cancelar a exposição. Já foi colocada na pauta da Câmara dos Vereadores uma moção de repúdio na semana passada, e nesta semana, uma moção de protesto na Assembléia Legislativa de Mato-Grosso do Sul. Nenhuma das duas ainda foi votada. Essas pessoas também circulam com um abaixo-assinado contra a exposição pedindo o cancelamento da mesma, abaixo-assinado este que vem sendo assinado por pessoas que não viram a exposição ou mesmo que nem conhecem o trabalho que estão repudiando. Os organizadores afirmam já ter cerca de 3 mil assinaturas. E, por último, ainda prometem ingressar com ações na Justiça pedindo o cancelamento da mostra, com ação criminal contra mim, por estar desrespeitando publicamente um ícone religioso. E, como se não bastasse, ainda querem acionar a Coca-Cola para que ela também me processe por estar usando a logomarca sem autorização. Tenho enfrentado toda essa turbulência com muita tranqüilidade. Mas vejo que a coisa tem ganhado cada vez maior proporção, com base em algo que não é uma crítica à igreja. Meu trabalho é muito mais uma crítica social e política. Isso mostra a ignorância das lideranças de Campo Grande, que não têm conhecimento sobre a arte que repudiam. No meu site, www.evandroprado.com.br, tem na seção notícias todas as últimas notas que saíram na imprensa local; na seção textos há alguns textos que já recebi de apoio; e na seção galeria estão as fotos dos trabalhos polêmicos”.

Leia o histórico da censura à obra de Márcia X no CCBB do Rio:

Em abril, o CCBB do Rio também envergonhou a comunidade artística ao retirar a obra “Desenhando com Terços”, da artista Márcia X (1959-2005), da exposição “Erótica - Os Sentidos da Arte”. Em vez de lutar pela liberdade de expressão, a instituição preferiu ceder à pressão de fanáticos religiosos.

O que o CCBB não esperava era a manifestação indignada de artistas (que organizaram um protesto no próprio centro cultural) e da mídia (que deu ampla cobertura ao ocorrido). A obra apresenta dois pênis cruzados feitos com terços religiosos.

A direção do CCBB retirou a obra depois que o empresário e ex-deputado Carlos Dias Filho (PTB) registrou uma queixa-crime contra os organizadores da mostra no 1º Distrito Policial do Rio, na qual diz que o trabalho é uma afronta à fé católica. Representantes da igreja católica também se revoltaram com a obra.

A realização de “Erótica” no CCBB de Brasília foi cancelada devido ao impasse.