Diversos Rumos

Mostra no Paço Imperial revela novos talentos nas arte

Jornal “O GLOBO”, 13 de junho de 2006

Júlia Motta

Da janela de casa, no subúrbio do Rio de Janeiro, o Morro da Mangueira. A vista que a professora aposentada Lúcia Laguna, de 65 anos, cresceu vendo tornou-se sua maior fonte de inspiração.

— Comecei pintando paisagens e um dia percebi que queria fazer a minha paisagem. A Linha Vermelha, a Mangueira, o trem — conta Lúcia, que descobriu a pintura há dez anos, quando se aposentou das aulas de língua portuguesa. — Eu queria preencher o tempo e encontrei a arte. Com a série “Entre a Linha Vermelha e a Linha Amarela” mostro esta geometria desarrumada da favela.

Ela é a mais velha de um grupo de 78 artistas do Brasil inteiro, selecionados pelo projeto Rumos Artes Visuais 2005/2006 do Itaú Cultural, que chega à cidade na exposição “Rumos artes visuais — Paradoxos do Brasil”, a partir de quinta-feira, no Paço Imperial.

Durante três meses, cinco curadoras — Lisette Lagnado, Luisa Duarte, Marisa Mokarzel, Cristiana Tejo e Aracy Amaral — viajaram o país em busca de novos talentos no campo das artes plásticas. O grupo passou por todas as capitais e algumas cidades do interior, visitando ateliês e fazendo palestras.

— O projeto recebeu 1.342 inscrições e tínhamos que selecionar em torno de 60 artistas. O que foi muito difícil, pela qualidade dos trabalhos — conta Aracy, coordenadora do projeto que acabou tendo que ampliar o número de expositores para 78. — Descobrimos capitais carentes até em bibliografia sobre história da arte. Queremos oferecer a possibilidade de uma continuidade. A partir de 2007 vamos ministrar cursos sobre o tema e dar esta bibliografia para cidades como Teresina, Marabá, Rio Branco e Porto Velho.

O resultado do garimpo feito pelas curadoras está nos 143 trabalhos inéditos da mostra: são pinturas, fotografias, instalações, vídeos, site specifics, intervenções urbanas e performances.

— É um intercâmbio que se impõe a estes artistas. O que podemos observar é que muitos destes novos talentos têm uma certa poética intimista. Há uma grande solidão que perpassa por vários trabalhos. Uma marca é um ponto de vista mais do que estético, uma preocupação social-antropológica. Muitos artistas trabalham com restos da sociedade e com temas ligados à ecologia — observa a coordenadora.

A carioca Luisa Duarte, de 26 anos, é a mais jovem curadora do “Rumos” e foi responsável por visitar as cidades do Rio de Janeiro e de Fortaleza, e os estados Minas Gerais, Espírito Santo, Alagoas e Sergipe.

— Em Fortaleza encontrei uma cena jovem articulada. Já em Maceió há uma ausência de artistas em formação. Não há escolas de artes plásticas na cidade. O projeto ajuda na formação de um circuito de artes, com nomes que o meio não conhecia e uma variedade de propostas e linguagens. A questão da cidadania e do meio urbano está muito presente na exposição — conta Luisa.

No outro extremo do “Rumos” está o paraense Gabriel dos Reis, de 14 anos. Cursando a terceira série do Ensino Fundamental, o morador de Marabá descobriu a pintura aos 8 anos, quando seu pai o levou a estudar pintura porque era uma criança muito agitada. Hoje ele vê na arte uma profissão e já fez uma exposição individual.

— Ele tem um relacionamento tão puro e particular com a arte que quando acabaram as aulas o convidei para continuar a trabalhar comigo. É como se ele descobrisse na arte um portão para a vida — emociona-se o professor do pintor, Antônio Botelho, que explica que o trabalho de Gabriel começa pela fabricação das tintas.

— Ele utiliza cores próprias. São tons únicos e fortes. Nunca usa o pastel, por exemplo — conta Botelho.

De norte a sul, projeto revela nomes

De Mato Grosso do Sul é possível conferir a polêmica obra de Evandro Prado, de 20 anos. Da série “Habemus cocam”, ele montou uma estante com objetos de contrastes do mundo capitalista com o religioso e já prepara a próxima, sobre as eleições no país.

— É uma crítica à sociedade, que passa a trocar seus valores numa sagração ao consumo — diz Prado, que fez sua primeira exposição aos 15 anos e está no último período da faculdade de artes visuais na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Com a exposição de pinturas “O sagrado e o capital”, em cartaz no Museu de Arte Contemporânea da cidade, o artista atualmente está no meio de uma polêmica: recebeu um abaixo-assinado com 3.500 assinaturas e críticas da Arquidiocese de Campo Grande. A reação se deveu à obra “Nossa Senhora Coca-Cola”, onde uma garrafa do refrigerante faz as vezes do corpo de Nossa Senhora Aparecida.

Para quem curte site specific, a artista de Porto Alegre Denise Gadelha, de 25 anos, preparou imagens do trajeto do Paço Imperial a Niterói por terra, mar e ar. “Estudo para perspectivas espaço-temporais” é um painel estreito, de quase dois metros de altura, com 18 aerofotos e imagens do percurso a pé cronometradas.

— Quero que as pessoas vejam a mesma coisa por dois pontos de vista diferentes. É como se fosse um cinema fotografado com imagens cronometradas do percurso — explica Denise.

Esta é a terceira edição do “Rumos artes visuais — Paradoxos do Brasil”, que já passou por São Paulo e segue, depois do Rio, para Belém, Fortaleza, Goiânia e Florianópolis. Com a mostra no Paço Imperial, estão sendo lançados um catálogo e um DVD com entrevistas dos artistas.