Uma geração pouco crítica

Revista Bien`art - nº 18, Abril de 2006

Juliana Monachesi

Aracy Amaral, curadora – geral da exposição Rumos Artes Visuais 2005 – 2006 – Paradoxos Brasil, está convencida de que a nova geração de artistas, selecionada pelo projeto de mapeamento nacional da produção emergente, não lê jornal. As obras, em sua maioria, acredita, são pouco críticas. “Parece que eles não sabem que está havendo uma guerra no Iraque, que existe uma crise no governo, que a Europa está tomada pela segregação étnica e social. Parece que estão vivendo fora da realidade”, suspeita a curadora.

A política só não está completamente ausente dos trabalhos desta nova geração, segundo Aracy, porque muitos dos artistas selecionados utilizam materiais precários, de descarte, na construção de suas obras. “Todos parecem colher sua inspiração nas bordas da sociedade capitalista, construindo a partir dos restos e do lixo dessa sociedade. A periferia hoje é a cidade e nós, da ´cidade`. É que vivemos num gueto”.

Quase um terço dos 78 artistas ou grupos selecionados trabalha com sucata tecnológica, refugos industriais ou lixo midiático. A utilização desse tipo de material é uma maneira de se referir à miséria às mazelas nacionais e, portanto, politizar as propostas artísticas apresentadas.

Marcone Moreira, por exemplo, reorganiza como “pintura” restos de madeira de construção. Giuliano Montijo exibe três de suas máquinas de pinball feitas com sucata. Sérgio Bonilha criou dentro da exposição um pequeno centro cultural, com vídeos e livros que podem ser consultados, e um mobiliário que ele mesmo fez a partir de madeira reciclada. Evandro Prado constrói um precário oratório de madeira preenchido com referências à sociedade de consumo a la Nelson Leirner. Sebastião Marcos enfaixa seu conjunto escultórico com borracha reutilizada, material que se esparrama também pelo entorno da peça. Hugo Houayek cria pinturas a partir de lona laranja. Fabrício Carvalho realiza esculturas com dejetos de construções. A casa ambulante de Gaio, um abrigo para se rutilizado em espaços públicos, também é feita de refugos urbanos. Esses trabalhos, somados aos vídeos, que reciclam lixo televisivo, e às obras que reutilizam outros elementos prosaicos de osso cotidiano, elevam para 25 o número de artistas operando nessa “tendência”.

Considerando a representatividade do projeto Rumos, cabe perguntar o que significa esta predominância no Brasil de obras que ultimamente vêm sendo reunidas sob o guarda-chuva conceitual da “estética da gambiarra”?

A curadora geral questiona: “Seria uma circunstância necessária com que os artistas brasileiros se deparam para produzir, ou trabalhar com descarte tornou-se um maneirismo?” A exposição não trás respostas afirma Aracy Amaral. Ela reúne as indagações que permearam a pesquisa e as contradições que marcam a arte contemporânea brasileira, dó o subtítulo da mostra “Paradoxos Brasil”.

“Entrei no projeto interessada em saber o que estava acontecendo agora. Percebi que, no Brasil, convivem vários tempos e que ele é uma espécie de arquipélogo de ilhas que pouco se comunicam” Outra constatação: “A arte sofreu um processo de desmanche e contaminação por outros campos – o vídeo, a literatura, a arquitetura, o design – e hoje é um terreno movediço.”

Entre pessimismo e o fascínio, a crítica e historiadora da arte, autora de estudos seminais sobre a arte moderna brasileira, faz um balanço final do projeto: “Desalento? Sim, um pouco. Mas existem grandes talentos aí”.