Entrevista com o artista plástico Evandro Prado

Site Jornal da Cidade, 27 de janeiro de 2008

Da redação

“Hoje é destinado apenas 0,002% dos orçamentos, o que é uma quantia irrisória. Como esse percentual é dividido com os outros setores, as artes plásticas praticamente ficam sem nada”.

“Infelizmente tem sido pratica dos governantes destinarem à cultura aquilo que “sobra”. Foi assim no Camelódromo.A estrutura do prédio tem um piso superior que não era freqüentado pelos consumidores, gerando reclamação dos comerciantes. O que fizeram? Criaram um espaço para exposições que ninguém vê”.

“Sou a favor das leis de incentivo. No caso da lei estadual o valor é razoável, mas o da lei municipal ( R$ 250.000,00) é pífio. O teto de 15 mil para cada projeto também é muito baixo. Qualquer asfalto de rua soma essa quantia”.

“Quando troco o sagrado coração de Jesus por uma latinha de refrigerante, quero mostrar que este culto ao consumismo, à mercadoria, ao supérfluo e ao dinheiro constitui o que Frei Beto chama de “religião do consumo”.

“Isso é um absurdo. Coloca-se quatro ou cinco obras no gabinete do prefeito, que serão vistas apenas por ele e seus convidados para audiências. Em vez de montarem um acervo, adquirindo obras dos artistas, usam suas obras como decoração gratuita, já que o artista nada ganha”.


Qual a sua opinião sobre os espaços de conservação e exposição de artes plásticas existentes em Campo Grande?

De um modo geral os espaços são bons, como no caso do Marco, que considero o melhor espaço da cidade. Foi um local construído com essa finalidade e que dispõe de uma área climatizada para abrigar o acervo. Há um problema estrutural de gotejamento, que segundo o governo será resolvido este ano. Os demais lugares foram adaptados, como a Morada dos Baís e o antigo Fórum. Não ficaram galerias 100%, mas as adaptações que vem sendo feitas podem resolver os problemas estruturais localizados.


E quanto a recursos para este setor específico da produção cultural?

Esse é o grande “gargalo”. No caso do poder público o máximo que oferecem é o espaço e os convites, cabendo ao artista “se virar”. Se quiser fazer uma vernissage ou algo do gênero tem que arcar com os custos. Sou a favor que o estado destine mais recursos para o setor no orçamento.Hoje é destinado apenas 0,002%, que é uma quantia irrisória. Como esse percentual é dividido com os outros setores, as artes plásticas praticamente ficam sem nada.


O prefeito Nelsinho Trad tem anunciado a transformação de vários locais em centros culturais, como é o caso das obras inacabadas da rodoviária, no bairro Cabreúva. O que você acha dessas iniciativas?

Infelizmente tem sido pratica dos governantes destinarem à cultura aquilo que “sobra”. Foi assim no Camelódromo. A estrutura do prédio tem um piso superior que não era freqüentado pelos consumidores, gerando reclamação dos comerciantes. O que fizeram? Criaram um espaço para exposições que ninguém vê. No caso do espaço no Cabréuva quem vai ganhar é a indústria da construção civil. Os espaços ficam bonitos, bacanas, mas não são injetados os recursos necessários para que cumpram suas finalidades, que são louváveis.


Como você vê as leis de incentivo? Já foi beneficiado por alguma?

Sou a favor das leis de incentivo. No caso da lei estadual o valor é razoável mas o da lei municipal ( R$ 250.000,00) é pífio. O teto de 15 mil para cada projeto também é muito baixo. Qualquer asfalto de rua soma essa quantia.É uma questão de prioridades.No caso do estado após três anos sem os recursos finalmente serãoliberados.Mas será de apenas 1 milhão, valor bem menor do que quando foi criado, que girava em torno de 3 milhões. Apesar dos eventuais problemas, é um bom mecanismo.Os problemas podem ser sanados com uma fiscalização mais rigorosa na aplicação.


Qual a sua religião?

Não tenho religião.Não acredito que alguém consiga representar o Ser Superior.


Você recebeu algo da Coca Cola para fazer a exposição Habemos Cocam, que causou polêmica (e processo, depois arquivado) com a igreja católica?

Não e nem gostaria de receber. Não faço arte patrocinada. No caso da série Habemus Cocam as pinturas são fundamentadas teoricamente por um texto de Frei Beto chamado Religião do Consumo que foi publicado no Correio da Cidadania no primeiro semestre de 2001. Neste texto, Frei Beto apresenta uma lista das 10 marcas de produtos mais reconhecidas no mundo, dentre estes produtos a Coca-Cola ocupa o primeiro lugar. E afirma que de acordo com os organizadores desta pesquisa, pode-se constatar que “as marcas são a nova religião. As pessoas se voltam a elas em busca de sentido, elas possuem paixão e dinamismo necessários para transformar o mundo e converter as pessoas em sua maneira de pensar (...) nossa sociedade cultua certas marcas como se fosse religião. Ela faz um culto à mercadoria e ao dinheiro. As pessoas tem trocado seus valores.” As pessoas têm valorizado e buscado suas respostas subjetivas não mais na religião, mas no dinheiro, na mercadoria, e não mais na igreja e sim no shopping. Meu trabalho retrata essa troca de valores. O que eu fiz em minhas pinturas foi justamente representar plasticamente, em forma de arte, esse pensamento. Quando troco o sagrado coração de Jesus por uma latinha de refrigerante, quero mostrar que este culto ao consumismo, à mercadoria, ao supérfluo e ao dinheiro constitui o que Frei Beto chama de “religião do consumo”. A mesma coisa vê-se na pintura que mostra o Papa João Paulo II, que ao invés de ter em suas mãos o seu terço, tem uma garrafinha de Coca-Cola, por quê? Porque nossa sociedade de consumo transforma tudo em mercadoria, inclusive os terços, as imagens sacras, velas.


Além da ira do arcebispo, que propôs a destruição das obras, como foi a receptividade à exposição?

Foi muito boa. As pessoas foram ver, conversaram comigo. O que lamento foi o tom irado que recebi por e-mails, de pessoas que assim como o arcebispo não entenderam a mensagem e quiseram punir mensageiro.Aliás, o arcebispo não foi ver a exposição.


Você vive/sobrevive da arte?

Sim. Além de artista eu sou professor de arte, de modo que posso dizer que sobrevivo da arte.Dou aulas em uma escola regular e produzo artes plásticas.


Há uma visão predominante de que alguns setores da produção artística, incluída aí as artes plásticas, são demasiadamente “elitizados”. Qual a sua opinião sobre o assunto?

Se não tiver recursos a coisa não vai. Veja-se o caspo, guardadas as proporções, de São Paulo, onde as exposições são vistas por até um milhão de pessoas. São exposições bem feitas, “trabalhadas” na mídia, com obras de artistas renomados para despertar o interesse ( e a freqüência) do público. Não há quem não queira, mesmo leigo no assunto, ver um quadro de Portinari ou de Picasso. Como não ser elitista se os espaços, como o Marco, não oferecem linhas de ônibus? É o mínimo para que a população lá do conjunto José Abraão, por exemplo, possa freqüentar....


Você acha que a atual estrutura governamental (Fundação de Cultura) cumpre a missão de fomentar a produção cultural ou deve ser ampliada, com a criação de uma secretaria específica?

Penso que a Fundação de Cultura pode cumprir esse papel. Mas voltamos à tecla dos recursos. Não se sabe porquê a Fundação deixou hámais de 10 anos de realizar os salões de ates plásticas, deixando “órfã” uma geração de artistas que nunca participou de um evento local desse porte. É algo inadmissível. Assim como faz–se concursos de fanfarra, mostras de dança ou festival de teatro as artes plásticas também merecem atenção. É uma área marginalizada pelas políticas oficiais.


No gabinete do prefeito há um espaço para exposições...

Isso é um absurdo. Coloca-se quatro ou cinco obras no gabinete do prefeito, que serão vistas apenas por ele e seus convidados para audiências. É o resultado da falta de um programa, de um cronograma de ações. Em vez de montarem um acervo, adquirindo obras dos artistas, usam suas obras como decoração gratuita, já que o artista nada ganha.