Portal MS Entrevista Evandro Prado

portalms.com.br, julho de 2008

Letícia Reynaldes Dias

Evandro Prado tem 22 anos e um currículo de causar inveja em muitos artistas. Ele já foi selecionado para participar do Rumos itaú Cultural e Salão nacional de arte de Goiás e foi escolhido agora para participar do 59º Salão de Abril em Fortaleza, o único representante do Centro Oeste. Seus quadros são conhecidos pelas polêmicas que causaram, mas ele garante que a única coisa que quer é provocar a sociedade.


Portal MS: Por que você teve interesse em fazer arte?

Eu sempre gostei de arte desde muito novo, ainda sou novo. Desde muito pequeno, não eu sou pequeno (risos). Desde muito criança. Eu comecei a fazer aulas de pinturas com uns 12 anos, depois veio a faculdade que eu quis fazer de arte e hoje eu sobrevivo disto. Dizem que arte a gente não escolhe fazer, já está dentro da pessoa.


Portal MS: O seu estilo de pintar veio das técnicas que aprendeu na faculdade?

Na realidade não, eu fui buscar fora da faculdade, lendo livros, indo à exposições de artistas. A faculdade ajuda sim, mas não foi ela que deu o meu estilo.


Portal MS: Você fez exposições polêmicas, por que isto?

Mas elas não eram para ser polêmicas, eu nem imaginava que ia acontecer isto. Pode até ter sido ingenuidade minha, mas não espera tudo que ocorreu. Processo, críticas vindas da Igreja, artistas dizendo que só quero aparecer, políticos querendo interromper minha exposição. Eu não quero criticar a Igreja.


Portal MS: Mas como você achava que não ia dar polêmica um quadro usando a coca cola, política e a igreja?

Eu não esperava mesmo. Quando eu comecei a pintar amigos meus viam os quadros e achavam bons, mas chocantes e fortes. Mas assim que eu explicava o que o quadro queria dizer acaba a polêmica e o espanto. Então, quando veio toda a repercussão foi inesperado.


Portal MS: Por que você escolheu temas como político, o religioso e para representar a industrialização escolheu a coca cola?

São influências que eu sempre tive. Eu sempre achei a iconografia católica muito bonita, imagens de santos, a coisa do sagrado, sempre mexeu muito comigo. Adorava ir nas igrejas, ir em cemitérios ver os túmulos, achava lindo aquelas coisas. A estética do sagrado, a estética da igreja católica sempre me chamou muito atenção. Com relação a política, eu sempre gostei, desde muito jovem. Adoro assistir horário político, desde os sete anos de idade eu assisto. E a política, quando eu coloco questões ligadas ao socialismo, o capitalismo, são assuntos que me interessam muito, que eu gosto de ler. São as minhas influências estes temas. As pessoas perguntam muito porque eu faço esses temas de igrejas, quando é que eu vou mudar meus temas. Eu não estou falando sobre a igreja em si, eu uso essa iconografia católica para representar a nossa sociedade, uma sociedade cristã, a maioria dos brasileiros são católicos. Então, na verdade meu trabalho não fala da igreja, nem do catolicismo, o catolicismo vem como símbolo dessa sociedade. Quando eu fiz a série "Habemus Cocam" eu não estava falando nem da igreja, nem da coca, eu estou falando do consumismo, mas eu uso esta simbologia para falar de outra coisa, uso a simbologia para chamar a atenção. Através destes símbolos que todos reconhecem, das imagens tão literais como um papa morto segurando uma garrafa de coca, são imagens que não vão passar desapercebidas para as pessoas. Elas vão parar e prestar atenção no que é aquilo. É isto que eu quero, chamar a atenção das pessoas, provocá las, quero que vejam meu trabalho e não esqueçam que elas viram.


Portal MS: O que sua família acha dos seus quadros?

No começo ninguém curtiu a idéia. Essa série do "Habemus Cocam", o quadro do papa, foi assim; o papa morreu em abril de 2005 e aquilo me chamou muito a atenção. Eu já estava fazendo a série e me chamou muito a atenção aquele velório do papa, porque eu tenho interesse na estética. Então, eu ficava assistindo as imagens, salvei muitas imagens pela internet e eu pensei comigo que eu precisava fazer um trabalho com esta imagem do papa. E veio a idéia de fazer o papa segurando uma garrafa da coca no lugar do terço, porque o terço e a coca não tem diferenças, desde que compradas como mercadorias, dentro do capitalismo é tudo produzido industrialmente, é tudo mercadoria e se você quiser tem que comprar. Enfim, eu queria fazer este jogo e dentro da estética me interessava a imagem do papa morto. Eu tive essa idéia e comecei a comentar com a família, eu falei no carro, com meu pai, mãe e irmão e todo mundo falou você está louco, não vai fazer de jeito nenhum, isto é uma falta de respeito. Mas eu disse que faria sim. Demorei para fazer ele, mas eu fiquei felicíssimo, achei ele lindo. Depois meu irmão começou a curtir a idéia, meu pai foi aceitando e minha mãe simplesmente falou "tira este defunto da minha sala". Ela não gosta do quadro até hoje.


Portal MS: Qual era a reação das pessoas quando elas chegavam para ver sua exposição?

Dependia. Muitas pessoas jovens adoraram o trabalho. O museu foi muito visitado na época, aumentou cinco vezes a circulação de pessoas nele, grupos de estudantes, universitários, acharam interessante o trabalho. A repercussão negativa foi dentro da comunidade católica mesmo, das pessoas que não viram a exposição, mas que ouviram falar, ou viram na TV e plantaram uma idéia negativa sobre aquilo. Então as pessoas não estavam dispostas a ouvir o significado, elas já não gostavam. Algumas pessoas que foram viram e não gostaram, mas aí eu fico sabendo por outras pessoas que ouviram donas falarem "vamos sair desta sala que ela é um inferno". Eu também já fiz exposições que eu deixei aquele caderno de visita e já vi recados do tipo "vai para o inferno seu demônio" e nesta época eu recebi muitos emails de pessoas me chamando até de anti cristo, muitas pessoas achavam que eu era evangélico por isto eu estava "zuando" com o catolicismo. Na política teve o vereador Paulo Siufi, que pediu o cancelamento da exposição, vários vereadores apoiaram, mas felizmente não aconteceu, a exposição durou o que deveria durar e foi um sucesso de público.


Portal MS: Como você recebe as críticas que fazer ao seu trabalho?

Eu sou muito tranqüilo, eu como já passei por tudo isto, acabei acostumando a receber as críticas. Até porque o meu professor de pintura era muito crítico e as piores críticas eu ouvia dele. Então as críticas que os outros fazem quando não gostam, para mim já é fixinha, eu já estava acostumado com críticas muito piores.


Portal MS: E o que seu professor de pintura achou do seu trabalho?

(risos) Ele adorou, mas antes disto, se ele não gostava, ele era super crítico, falava "isto aqui está tudo errado", "joga branco", "pinta por cima", "joga fora", "põe fogo", falava de uma maneira muito firme.


Portal MS: Seus quadros são bastante vendidos ou as pessoas acham tão polêmicos que não querem ter em casa?

É muito engraçado isto, as pessoas realmente falam isto "ah, esse quadro aqui eu acho lindo, mas eu não colocaria na parede da minha sala". Eu ouço muito isto, não é um trabalho muito fácil de vender. Eu penso que eu vendo razoavelmente bem. Não dá para colocar um quadro para vender muito barato, porque eu já tenho um currículo que me ajuda a dar um valor. Eu penso que meu trabalho, comparado com outros artistas e currículos, é barato ainda.


Portal MS: Qual foi seu primeiro pensamento, sua reação quando ficou sabendo que foi um dos escolhidos para participar do Salão de Abril em Fortaleza?

Eu fui o único escolhido do Centro Oeste. É uma alegria muito grande, eu fico muito feliz quando acontecem estas seleções e meu trabalho é selecionado, primeiro, eu estou conseguindo levar meu trabalho para fora e se meu trabalho é escolhido no meio de tantos outros, quer dizer que meu trabalho é bom, é um respaldo para mim. Penso então que é o caminho certo, que vale a pena eu continuar investindo. Muitas vezes a gente desanima com vários problemas que a gente tem, não é fácil se manter de arte aqui. Um salão, um prêmio, estas coisas que acontecem fora do Estado, que dá esse respaldo, isso reanima, dá um fôlego de novo.


Portal MS: Você acha que já foi reconhecido dentro da arte?

Aqui no Mato Grosso do Sul, hoje posso dizer que sou um nome referência de arte contemporânea. Até porque eu fiquei sabendo na semana passada que caiu uma pergunta no vestibular da UFMS, na prova específica de artes visuais, um quadro meu do Habemus Cocam. Na época que fiz o vestibular, há seis anos atrás não teve artistas novos e agora eu já sou uma pergunta da prova. Eu fiquei muito feliz, acho que isto prova que sou uma referência da arte no Estado. Para mim isto é muito pouco, quero ser referência no Brasil.


Portal MS: Mas você já expôs em outros estados também, até no Amapá?

Fortaleza, Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Cuiabá, já levei meus trabalhos para vários estados, a única região que não fui foi o Sul. O meu objetivo agora é levar meu trabalho para São Paulo e de lá ir para o resto do Brasil. Quero passar uma temporada para divulgar mais meu trabalho, é onde as coisas acontecem. Quero ir para lá para fazer meu trabalho acontecer em nível nacional, esse é meu próximo objetivo.


Portal MS: O que você acha que falta no estado para a arte ser mais reconhecida?

São vários os aspectos. Campo Grande é uma cidade é pequena, apesar de capital. Como diz um professor meu de filosofia "Campo Grande é uma fazenda iluminada", então assim, não dá para esperar muita coisa daqui. Meu trabalho é arte contemporânea, então acho que tenho que buscar caminhos fora, infelizmente. É uma cidade jovem, é provinciana ainda, tanto que se não fosse eu não teria sido processado, tudo isto não teria acontecido. Não é uma metrópole, nem uma cidade referência no Brasil, então não dá para esperar muita coisa aqui. Eu já cheguei aonde dava para chegar aqui, para mim é muito pouco. Quero ir para onde tenho mais chance.


Portal MS: Você acha que esta fase que está vai permanecer, ou é uma fase que veio por causa da sua idade, por causa do meio que está agora e vai acabar mudando depois?

Isto é uma pergunta muito complicada que nem eu posso responder. Eu creio que meu trabalho nunca vai deixar de ser provocativo, nunca vai deixar de tratar de questões que falem da nossa sociedade. Sempre eu vou ter um trabalho que fale do nosso tempo, com questionamento. Eu não dou respostas, eu faço perguntas. Em termos de estética, tema, isto com certeza vai mudar. Eu hoje já experimento muitos suportes, faço trabalho com latinhas, com pregos, com tecidos, bordado, pintura em tela, desenho. Eu experimento muito e isto só tende a aumentar cada dia mais.


Portal MS: Além de querer ir para São Paulo, qual plano mais você tem?

Tem a exposição que vou participar em Fortaleza. E pretendo fazer mais uma exposição aqui, talvez a última, por enquanto, que vai ser dia 13 de agosto no Centro Cultural José Otavio Guizzo. É uma séria nova, completamente diferente do que eu já fiz, posso dizer que é uma continuação dos estandartes, mas feitas com objetos construídos de madeira, bordado e vidro.


Portal MS: Você consegue sobreviver de arte no Mato Grosso do Sul?

É sobreviver mesmo, a gente não vive. Além do meu trabalho de arte, que vendo quadro, eu dou aula de arte, que não deixa de ser arte, em uma escola no fundamental e dou aulas particulares de desenho e pintura aos sábados.