A Mídia e os Efeitos de Sentidos (2019)

por Eduardo Romero

A exposição intitulada “Tem que manter isso aí, viu”, do artista Evandro Prado, nos convida a uma reflexão fundamental nos dias atuais. A inquietante pergunta sobre como acontece essa relação da mídia, e, no caso de suas obras, das mídias (no plural), e, respectivamente, das linguagens da comunicação que se inter-relacionam, produzindo diversos efeitos de sentido, na composição do vasto material, é algo que nos seduz a querer entender o complexo sistema midiático e também suas consequências à sociedade contemporânea.

O artista por meio de capas de revistas, e até mesmo de um áudio vazado faz uma releitura minuciosa, sob o olhar atento e refinado das artes plásticas, instigando o leitor/visitante a querer entender os porquês das cores, dos gestos e das formas e, sobretudo da mensagem a ser interpretada. Em tom provocativo, desperta em nós a vontade de querer saber o que motivou a imprensa a publicar tais materiais e o que motivou Evandro a realizar tais escolhas.

Com isso, o breve texto que apresento não tem a pretensão de realizar uma análise crítica do farto material coletado por Prado. Trata-se apenas de um convite a um outro olhar, em tom de contribuição/reflexão, vindo de um pesquisador da linha de pesquisa das Ciências da Comunicação e da Política. Entendendo que o conjunto da obra requer uma (des) construção de narrativas midiáticas envolvendo o Poder e suas relações, considerando também a instância máxima da representação política, no caso, uma presidente da República, ou seja, uma mulher.

“Tem que manter isso aí, viu”, de maneira sensível, apresenta as tensões e até a resistência do sistema midiático à ex-presidente Dilma Rousseff. Entendendo o papel da Arte neste contexto, não nos cabe méritos ou julgamos em torno de questões partidárias, acusações e condenações, o objetivo é o entendimento de como os efeitos de sentidos ocorrem, aquilo que vai, conforme Eliseo Verón, desde sua produção até a “consumação” considerando a mensagem dos meios de comunicação como ponto de passagem e sustentáculo da circulação social das significações. Como diz o próprio Verón (2005): “o problema não é simples, pois uma mensagem nunca produz automaticamente um efeito”.

Sendo a “mídia” um conceito sociológico e não tecnológico buscamos pensar os meios não só instrumentalmente, mas, simbolicamente. Considerado a criação de signos e oferta de significados no qual a comunicação torna-se um processo aberto com bifurcações e não-linear.

Assim, quanto às capas, existe um funcionamento semiótico-discursivo logo no contato inicial com este material que gera uma espécie de “contrato de leitura” entre seus leitores e é, justamente, por meio delas que se pretende a captura. O que dizem? O que mostram? As revistas semanais vão, homeopaticamente, gerando/despertando, sensações e os mais diversos efeitos de sentidos, que somados (por aqueles que possuem contatos constantes regulares, tais como assinantes, e, até mesmo por aqueles que, esporadicamente, as consomem, os as vem, seja nas bancas, nas recepções de consultórios, e ou nas imagens de internet) podem fabricar crenças.

O pesquisador Antônio Fausto Neto (2016) em “Dos circuitos à sentença: o impeachment de Dilma Rousseff no ambiente da circulação midiatizada”, apresenta estudo do processo editorial de revistas semanais, gerando pautas televisivas, na construção do impeachment, e entra na dimensão comparativa entre o caso de Dilma e também de Fernando Collor, dois ex-presidentes cassados no Brasil e com forte presença dos meios midiáticos no processo. Conclui ele que nenhum acontecimento é abstração, é transação de agendas por campos diversos.

Nas obras apresentadas por Prado, destaca-se o trabalho de extrair das capas de revistas a construção imagética da ex-presidente Dilma e o título principal e, por escolha do próprio artista, foram pintadas apenas as capas, ao longo de sua coleta (2010-2016), que retratavam a ex-presidente como tema central daquelas edições.

Nas releituras e pintura da capa, o artista fez a reprodução (muito próxima à edição impressa) apenas com o nome/logo da revista, a foto e o título central com destaque à manchete. É interessante que, como observado, pelo próprio artista, 70% das capas analisadas retratavam aspectos negativos em relação à ex-presidente.

Recuperamos o pensamento de Fausto Neto (2016) ao afirmar que: “a construção do discurso jornalístico se apoia nos ‘arquivos’ midiáticos onde estão alojadas as ‘condições de produção’ bem como as gramáticas com as quais é tecida a atualidade ofertada pelo discurso informativo. Para informar é preciso adicionar um comentário/opinião que pode aparecer disfarçado, em imagens que identificam personagens, bem como nos textos de apoio e, ainda, no trabalho de modelização gráfica feita por editorias especializadas”.

Neste olhar simples, carente de pesquisa aprofundada, as imagens selecionadas pelo artista para a composição de sua exposição evidenciam a construção/desconstrução das relações de poder existentes entre a ocupante do maior cargo eletivo do País e o sistema midiático. Tanto é verdade que se observa, em muitas capas de revistas analisadas, a tendência na apresentação de uma mulher isolada, perdida, sem controle e apoios.

As 97 capas seguem esse esquema, somando imagens e textos numa construção/desconstrução discursiva, do tipo que levam o leitor a pensar: “ela não serve para o cargo”. Ao contrário, por exemplo, da imagem apresentada na série “Folha” 2017, que ao mostrar o vice-presidente Michel Temer ao assumir o cargo, logo após o impeachment de Dilma, como a representação de um homem, no centro do poder, rodeado por inúmeros outros homens, criando a mensagem e imagem de “ele serve e tem todo o apoio/reconhecimento”.

Mais uma vez, a figura da mulher e a relação com o poder vistos como algo que não se combina. Como exemplo, a pintura “Do Lar” 2019, que representa uma capa de revista a, então, primeira-dama Marcela Temer com o título: “Bela, Recata e ‘Do Lar”.

Ao ver e receber as revistas, semanalmente, talvez passe despercebido ao leitor este processo de construção/desconstrução de sentidos. Mas Evandro Prado, ao reunir no mesmo espaço todo esse material, nos instiga, de imediato, à novas leituras e reflexões que, na somatória, jamais passariam despercebidas. Em resumo fica evidenciado um construto imagético e de sentidos com intenção clara e definida na indução/aceitação social de que o impeachment era indispensável.

E finalizando, os trabalhos de Prado, demonstram o grande hiato entre poder e gênero, reafirmando, nesse jogo do poder, de um lado, o lugar ‘exclusivo’ do gênero masculino, como representação da força, e de outro, o estereótipo em relação ao gênero feminino como o ser ‘frágil’, ‘sem apoios’, que deveria continuar no ‘lar’.


Eduardo Romero

Ator, jornalista, Mestre em Comunicação pela UFMS, Doutorando em Comunicação pela Unisinos, atualmente exerce o cargo de Vereador por Campo Grande – MS.