Alvorada e confronto (2019)

por Maria Adelaide Pontes

À vista o monumento do planalto Central do país. Brasília enquadrada. Em primeiro plano suas belas formas, quadro a quadro, protagonizam como numa sequência de fotogramas quase despida de pessoas. Porém, o artista expõe sua fratura. Escoras sustentam, amparam seu desmoronamento ou apoiam sua edificação. Não se sabe se é ruína ou progresso, construção ou reconstrução, futuro, presente ou passado. A única certeza é a incerteza, indícios de conflitos, oposições, embates e confrontos. Ou enuncia resistência?

De todo modo, o que se vê nas pinturas de Evandro Prado é uma construção que nunca cessa, projeto de desmanche. A desmonumentalização do cartão postal de Brasília (DF), a sede do poder federal, a Praça dos Três Poderes, a Esplanada dos Ministérios, em desarranjo. Mas não é somente sua icônica forma que se desfaz, perde-se o céu, o emblemático azul é apagado por cores outras chapadas ao fundo.

Evandro Prado, artista nascido na região do Centro-Oeste do País, em Campo Grande (MS), trabalha e vive em São Paulo. Não por acaso, a aparição do planalto Central permeia sua produção artística e Brasília vem como uma alegoria para falar de um Brasil da hora atual. Misturando tempos, volta 60 anos atrás com imagens de construção, registra a presente polarização e ficciona uma plataforma a deriva.

Imagens icônicas em desconstrução são recorrentes no trabalho de Evandro, tanto na pintura como em outras expressões – como objetos e instalações – mas tem na pintura sua maior expressão. Para tanto, foi escolhido um conjunto de telas para compor a exposição que o artista apresenta no Sesc Cultura, Campo Grande – MS. São 18 pinturas recentes, óleo sobre tela, que direcionam o olhar para Brasília.

A exposição está dividida em três segmentos, três séries, três tempos. Numa narrativa linear, o sentido de percurso proposto começa sublinhando a construção, uma série de pinturas que trazem claras referências buscadas em fotografias de época da construção de Brasília, escoras, esqueletos, monumentos inconclusos, um projeto de país. Voltar a essas imagens nos rememora que o Brasil já teve mandatários que construiu projetos de futuro, como Brasília no governo de Juscelino Kubitschek – Presidente de 1956 a 1960 – cidade projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pelo urbanista Lúcio Costa, cujo Plano Piloto é reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.

No segundo segmento da exposição, a sequência de telas compõe a série “Discordância”, retratos pintados em preto e branco como uma foto P/B, que sugere um passado, mas um passado em permanência. São imagens de ontem e hoje de rupturas democráticas que estampam semelhanças, como a operação civil-militar que destituiu o presidente João Goulart em 1964 e a operação jurídico-midiática que viabilizou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016. As referências aludidas ocupam o mesmo cenário pintado, habitado por tanques militares e por seguranças escudados ou em confronto com civil. A intervenção na Esplanada dos Ministérios, o gritante divisor em ângulo monumentalizado, é símbolo e medida da polarização – insuflada pela mídia – que dividiu o país entre direita e esquerda.

Os últimos trabalhos que integram o terceiro segmento é um desdobrar dos primeiros, desprendido de realismo. Aqui os elementos de composição começam a desfigurar os monumentos que passam a se fundir e a se confundir com as estruturas de sustentação, andaimes e guindastes fora de escala. Ao longe, visto à distância, não é mais um monumento, e sim uma plataforma flutuando sobre um preto óleo, à deriva. Brasília surreal.



Maria Adelaide Pontes

Abril de 2019