As Mulheres no Poder Versus o Discurso Patriarcal (2019)

por Paulo Rezzutti

Dilma Vana Rousseff foi, em 2010, a primeira brasileira a assumir a presidência, mas não a única mulher a ocupar o posto de chefe de Estado no Brasil. Antes dela, tivemos a imperatriz D. Leopoldina (1797-1826), cujo papel no processo da Independência do Brasil foi quase todo apagado, e a princesa D. Isabel (1846-1921), que entraria para a história brasileira por ter assinado um decreto, o da libertação dos escravos.

Um ponto em comum a respeito da trajetória dessas três mulheres é o discurso patriarcal que perpassa o registro delas na história do Brasil. D. Leopoldina teve a sua imagem como estadista diminuída e é mais lembrada por ter sido publicamente traída pelo marido do que por tê-lo convencido a ficar no Brasil quando o governo português queria que ele retornasse à Europa. A princesa D. Isabel é lembrada pela Lei Áurea, mas pouco se fala a respeito da campanha difamatória levantada contra ela simplesmente pelo fato de ser mulher.

Um século separa o nascimento da princesa D. Isabel do de Dilma Rousseff, mas o discurso difamatório promovido por seus detratores focava em pontos em comum, como o corpo delas e a acusação de serem “loucas”, “nervosas” ou ainda “histéricas”.

Assim como hoje, achava-se que a mulher não pensa por si própria, precisa ter um homem que mande e raciocine por ela. Assim como Dilma seria, segundo a imprensa nacional e alguns políticos, o “poste do Lula”, os jornais e propagandistas republicanos diziam que quem de fato governaria o Brasil, caso D. Isabel subisse ao trono, seria o Conde d’Eu, seu marido.

O que é visto como tenacidade e perseverança num homem, numa mulher é tratado negativamente. Tanto Dilma quanto D. Isabel eram vistas como mulheres “teimosas”. Dilma também foi chamada assim no exterior, quando, em 14 de setembro de 2016, o Financial Times disse que o motivo da presidente brasileira não renunciar era por ela ser uma “teimosa cabeça-dura”.

D. Isabel, segundo um jornalista, sofria de “deslumbramentos nervosos” e não passava de uma “nulidade”. Segundo outro, era uma “louca” por querer governar o Brasil após a morte do pai. Dilma mereceu da revista IstoÉ uma capa em que aparecia gritando, com o título “As explosões nervosas da presidente”.

O comportamento público das duas também foi visto com críticas. Enquanto o jornalista republicano Silva Jardim condenou a princesa, uma senhora de 42 anos, por brincar o Carnaval, a jornalista Rachel Sheherazade desdenhou da roupa usada por Dilma durante a defesa que ela realizou no Senado. A presidente passou 13 horas discursando contra as acusações que levaram à abertura do seu impeachment, e a jornalista achou o modo como ela se vestia mais relevante.

O político homem pode ser gordo, magro, alto, baixo, com ou sem barba, estar com o terno e os cabelos desalinhados que dificilmente esses detalhes serão mencionados. Mas com a mulher é diferente. Também a mentalidade patriarcal imperou nas comparações feitas entre a presidente Dilma e a esposa do então vice-presidente, Marcela Temer, 43 anos mais nova que o marido.

Beleza, comportamento, juventude, roupas, cortes de cabelo etc. pareceram importar muito mais para alguns jornalistas, e a sociedade de modo geral, do que a política em si. A sociedade patriarcal se sentia mais confortável com uma mulher como Marcela – jovem, discreta, “bela, recatada e ‘do lar’”, segundo matéria da revista Veja de abril de 2016 –, ao lado de seu marido, do que com uma senhora divorciada de quase 70 anos governando o Brasil. Isso graças às imagens veiculadas na mídia, que tratava a presidente como um corpo idoso e não como a dirigente máxima do país.

A onda machista no Brasil contra a ex-presidente Dilma chegou ao nível mais grosseiro em junho de 2015. Num famoso site de compra e venda pela internet, apareceu sendo comercializado um adesivo de 60 por 40 centímetros, no qual, numa montagem, via-se a presidente do Brasil com as pernas abertas. O adesivo foi feito para ser colado na entrada do tanque de gasolina dos carros, de modo que, quando abastecidos, a bomba simulava a penetração sexual em Dilma.

As suas contemporâneas a governar países latino-americanos passaram por problemas semelhantes. Tanto Michelle Bachelet, no Chile, quanto Cristina Kirchner, na Argentina, viveram situações vexatórias por conta de seu sexo. Segundo a mentalidade vigente em grande parte da sociedade, o lugar de mando é do homem, e quando uma mulher o alcança causa estranheza.

Dilma Rousseff entra para a história brasileira como a primeira mulher a ser eleita e reeleita para ocupar a presidência, mas infelizmente também deixou o registro de ter sido a primeira a sofrer impeachment. Sua jornada, como a de milhares de brasileiras, foi dupla: além do exercício do cargo, teve que lidar com o preconceito de gênero ao ocupar o posto mais elevado de uma nação onde morrem, por dia, 13 mulheres vítimas de feminicídio.


Paulo Rezzutti