Dominus Tecum (2013)

Por Renato Joseph

Desde o início de sua trajetória artística, o sul-matogrossense Evandro Prado sempre buscou uma aproximação com o universo que a igreja instituiu como sagrado. Essa relação que ele vem estabelecendo com o imaginário religioso propõe de maneira irônica uma desconstrução e ressignificação das imagens sacras que algumas sociedades, principlamente a brasileira, tem como símbolo de respeito e devoção. Prado utiliza a igreja e suas marcas construídas ao longo da história para estabelecer uma crítica no âmbito da sociedade contemporânea.

Agora ele reúne e apresenta cinco novos trabalhos preservando essa temática. Intitulada Dominus Tecum, a exposição compreende a amplitude do pensamento artístico desenvolvido por Prado nos últimos anos. Aqui ele se apropria de várias linguagens para formar uma espécie de complexo à subversão do sagrado. Trata-se de um espaço múltiplo composto por vídeos, escultura, fotografia e instalação.

Em Ruína, a imagem do corpo de cristo abandonada dentro de um caixão numa igreja vazia. Em Missões, dois vídeos mostram a mesma escultura de cemitério balançando uma espécie de sudário, com um coração bordado. No polêmico Sede Vacante, Prado apresenta a escultura de Joseph Ratzinger saindo da parede como se fosse um troféu de caça. Em Construindo Paraísos, uma isntalação em formato de cruz latina, feita a partir de tijolinhos, um desenho em negativo, nos remetendo a uma não construção. E por fim a obra que leva o nome da exposição. Prado construiu um lampadário feito a partir da justaposição de imagens de santos que ficam de cabeça para baixo em Dominus Tecum.

Dono de uma perspicácia única, o rapaz transforma seus devaneios em crítica social e política, quase sempre introduzindo os espectadores dentro de suas ironias, e potencializando, assim como Brecht fez com seu teatro épico, o ideal de que a obra de arte não é apenas um deleite passivo, mas um acontecimento em que abandona-se a postura de simples admirador, para transformar-se em sujeito da obra. O homem, portanto, é exposto e tem a chance de reavaliar-se ou continuar no obscurantismo do pensamento, revelando, involuntariamente, seu estado de alienação.

Ao se aproximar do pensamento cristão para questionar a sociedade, Prado adquire uma relação com a filosofia nietzcheana. Para Nietzsche, um dos principais críticos dos cristãos, essa vertente religiosa ensina que o reino de Deus está nos corações dos homens, mas traiu essa intuição fundamental quando transformou o Reino em um “outro mundo”, um universo mais além. Quando se desloca o centro de gravidade da vida no ‘mais além’, o que para Nietzsche é o nada, tira-se da vida o seu centro de gravidade.

Nietzsche considera que, além de implantar no homem a ideia de pecado, pensamento que o enquadrou num estágio de negação da vida, a noção de reino minou de sentido todo e qualquer valor natural que pode garantir o surgimento de uma vida ascendente. Ele considera que essa doutrina corrompeu e condenou todo olhar sadio sobre a existência. O homem passou, então, a não viver o agora, com a esperança de uma vida eterna e perfeita no paraíso.

Prado resignifica o sagrado por meio de sua obra e propõe um diálogo que ultrapassa a contemplação estética para, ironicamente, atingir o existencialismo humano. A fantasia se encarregando de suscitar conflitos e sentimentos genuinamente verdadeiros. Uma obra que se revela essencial, porque ao ser posicionada além do olhar, gera reações interiores que, posteriormente, são expostas em sinais de espanto, dúvida, repulsa ou aceitação. Resposta ao que a arte exige quando é intitulada como tal: atuar como poder transformador em seu receptor que, impactado, também emite.


Renato Joseph

Abril/2013