O Muro: alvorada e confronto – Evandro Prado (2018)

por Mariza Bertoli

O artista mostra a alma de Brasília com suas belas formas esvaziadas do sonho da sua concepção, recortadas sob um céu denso, pesado, consistente como uma lona de circo. Ali onde se desempenha o papel da democracia não há mais povo, nem nação. A democracia é só uma palavra, mas os invólucros dos poderes corrompidos, rotos, remendados permanecem altivos como se estivessem vestidos de gala para a grande festa liberal. Juscelino Kubitschek, o presidente pé-de-valsa, que ousou realizar o prognóstico da primeira república, ficou perplexo, paralisado sobre o monumento. Da concepção original, do traço bailarino do nosso arquiteto maior, o artista revela os esqueletos frágeis, as escoras e as muletas, através das suas esculturas maquetes. A capital cantada em verso e prosa, nos repentes e na bossa–nova, construída pelo braço dos candangos, para desbravar o Brasil profundo, desconhecido e acolher uma democracia autêntica para todos os seus filhos de todas as cores, agora é um fantasma.

A obra “Alvorada”, que alude à utopia, o corpo de um ideário democrático. A bela coluna nascida do tema inspirado no arco e na flecha, no jogo delicioso das linhas reversas que criam a variação das formas de todas as colunas dos principais edifícios da cidade. A alusão a uma coluna doente que é a instalação central é imagem da degradação da coluna triunfal nascida do arco e da flecha, núcleo simbólico do desenho urbanístico de Brasília. A mostra passa por várias paisagens urbanas quase metafísicas, em cores sóbrias de céus chapados, perfis elegantes, enxutos, esqueletos metálicos exatos, até o ápice desta jornada, a última das pinturas onde o artista destaca o muro, feito para separar o povo entre direita e esquerda, concretizar a polarização máxima, alimentada cotidianamente pela mídia e pelas redes sociais. A única figura humana nesta mostra está na obra “Discordância”, no confronto com a polícia, que no entanto é feita de soldados de chumbo, figuras inumanas, robôs. Um ato heroico ou demencial?


Mariza Bertoli