Quando a História e a Política se Tornam Assuntos da Arte (2019)

por Divino Sobral

O olhar retrospectivo sobre a produção de Evandro Prado revela que há mais de uma década o artista opera com questões relacionadas aos campos da história e do poder na construção de sua obra; deixa claro que a entonação crítica, o humor discreto, a articulação da lógica pop, a apropriação do elemento banal e diário, são algumas das maneiras adotadas para abordar costumes e crenças da sociedade, para refletir sobre um vasto campo cultural que engloba arte, religião, consumo, gênero, política e história.

Proveniente do interior do país, Prado não esteve, no início de sua carreira, atrelado ao contexto regionalista da arte sul-mato-grossense, mas buscou extrair elementos de um cenário onde se encontravam simultaneamente dados das culturas local e globalizada. Desta forma se apropriou de elementos bastante heterogêneos e os embaralhou em novas conjunções visuais, dando ênfase ao quanto eles funcionavam como representações das estruturas de poder: o mapa dos cinco continentes executado com latas de Coca-Cola acompanhado da voz de Fidel Castro discursando durante a abertura da Conferência Eco Rio 92; a marca e as embalagens do mesmo refrigerante tomando os emblemas do manto da Padroeira do Brasil; as imagens dos santos católicos portando armamentos; o paradoxal luxo dos artefatos religiosos e das vestimentas clericais como signos retóricos do poder da igreja. Relembrar o passado da produção de Evandro Prado serve para sedimentar o solo onde posicionar suas recentes operações, para entender que sua postura crítica é um comportamento que vem sendo aprimorado com o tempo, e que é legítimo seu acirramento agora diante do grave quadro de crise política – quase colapso – instalado no país durante segunda década do século XXI.

Operando com técnicas e meios diversos o artista olha simultaneamente para o passado e para o presente, revendo criticamente as relações e implicações da arte com as narrativas históricas feitas pelos vencedores dos conflitos sociais e detentores do poder institucionalizado. De certa maneira sua produção recente vem manipulando o que a tradição da História da Arte conceituou como pintura histórica (para suporte bidimensional) e como escultura monumental (para suporte tridimensional). Todavia, sua manipulação usa de raciocínio negativo para subverter os signos de poder engastados esses gêneros formalizados pelo academicismo, comprometidos com a demonstração da glória heroica dos dominadores, elaborados por linguagem grandiloquente e pomposa para exaltação de personagens, conquistas ou batalhas significativas para a elite de uma nação. No Brasil a pintura histórica se institucionalizou após a chegada da Missão Francesa e se consolidou com a fundação da Academia Imperial de Belas Artes, seu ápice ocorreu durante o governo do Imperador Pedro II quando o estado e a cultura nacionais começaram a definir mais nitidamente seus contornos.

Está na pauta de Evandro Prado a preocupação em discutir as possibilidades de alinhamento entre a crise dos gêneros históricos e as estratégias críticas da arte política vigentes na atualidade. Seu procedimento de revisão da história passa pela exumação dos vestígios do passado para a compreensão dos traumas causadores de graves consequências à sociedade contemporânea. É assim que, em algumas obras, o processo de colonização é revisto pelo artista por meio da apropriação da cartografia pela qual a coroa portuguesa selou seu domínio sobre o território brasileiro invadido, domado pela chancela dos brasões e selado com o sangue das vitimas do genocídio, negro e indígena.

Ao se confrontar com a historiografia oficial, Evandro Prado empreende a desconstrução de monumentos que homenageiam figuras heroicas como Dom Pedro I, Marechal Deodoro da Fonseca e Duque de Caxias, ou que celebram acontecimentos oficialmente valorizados como o Monumento à Independência (também chamado de Ipiranga devido a sua localização às margens do córrego onde Pedro I proclamara a independência do Brasil), ou o Monumento às Bandeiras de autoria do modernista Victor Brecheret, sendo esses dois últimos situados na cidade de São Paulo. No Brasil os grandes monumentos comemorativos foram edificados no século XX, quando ouve a modernização do traçado urbano e o aumento do poderio econômico de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, e, sobretudo, com a construção de uma cidade monumental por si mesma, Brasília.

Evandro Prado desconstrói os monumentos pela negação da nobreza, pelo rebaixamento, pelo questionamento do conceito de permanência e pela crítica aos significados sociais e políticos. O que faz são replicações executadas com madeira recortada, apenas achatamentos das formas heroicas fechadas em suas silhuetas e destituídas de volume e de massa, sem firmeza são escoradas para manterem-se de pé. A verticalidade característica da tradição escultórica monumental é recusada, e o que se vê são pedestais mínimos feitos com tijolos aparentes, como pobres sepulturas esquecidas, um pouco acima da linha do solo. A vulgaridade e a baixa durabilidade dos materiais contrariam a riqueza e quase invulnerabilidade do bronze, do mármore e do granito, valorizados para obras desse gênero. As obras de Prado abordam o avesso das celebrações, homenagens e honrarias, e dialogam com os movimentos sociais contemporâneos questionadores da história e dos heróis oficiais, participam da revisão atual feita sobre os valores do passado.

Cidade monumento onde se concentram os poderes brasileiros, Brasília recebeu de Evandro Prado atenção especial. Assim como os monumentos dedicados aos heróis da pátria foram aplainados e diminuídos nas esculturas acima comentadas, também receberam o mesmo tratamento elementos bastante característicos da arquitetura de Oscar Niemeyer, como as colunas dos palácios da Alvorada e do Planalto, ou a escultura que representa Juscelino Kubitschek, de autoria de Honório Peçanha, envolta pela foice do arquiteto comunista e posicionada no alto do memorial que leva seu nome. Da mesma maneira foi planificada a escultura Dois guerreiros, obra de Bruno Giorgi realizada em homenagem aos candangos, operários construtores da cidade. Diante das muitas apropriações possíveis não se pode esquecer que a potência original dessas formas arquitetônicas ou escultóricas já há muito foi dissolvida na reprodução kitsch de suvenires da capital federal. Já a escultura executada com a técnica vernacular do pau-a-pique e que se apropria da forma da coluna do Palácio da Alvorada, coloca no mesmo lugar o erudito e o popular, o moderno e o arcaico, o efêmero e o permanente, e assim fala de um país de contrastes simultâneos.

Brasília foi erguida pela ousadia da utopia de planejar um Brasil em desenvolvimento. Mas os velhos vícios da política brasileira não se desfizeram dentro dos gabinetes concebidos para novas mentalidades. Arquitetura, poderio e repressão militar são assuntos da série de pinturas intitulada com o nome da cidade, realizada com rebaixamento cromático de preto, branco, cinza e verde, que faz referência à tonalidade usada por Niemeyer para os edifícios ministeriais. Paleta sóbria para representar momentos diferentes: construção da catedral e das colunas dos palácios do poder executivo; a guarda presidencial frente ao Palácio do Planalto; confronto entre um manifestante e grupo de policiais; o muro instalado no gramado da Esplanada dos Ministérios para dividir e separar manifestantes a favor e contra o impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Páginas gloriosas e tristes da história ao mesmo tempo avulsas e conectadas.

Como um artista interessado em unir arte histórica e arte política, Evandro Prado tratou com dedicação um dos maiores golpes políticos do Brasil: o processo do impeachment da Presidente Dilma Rousseff. Possuidora de uma das biografias mais marcantes entre as mulheres da história brasileira, a filha de pai imigrante búlgaro, quando jovem foi integrante de movimentos armados de oposição ao governo militar, que havia instaurado a ditadura no Brasil a partir do golpe de 1964. Presa pelos aparelhos repressores da ditadura, foi acusada em sua ficha criminal de terrorista e assaltante, e de ter, entre 1967 e 1969, participado de muitas ações criminosas, como a militância nos movimentos Política Operária, Comando de Libertação Nacional, e Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, além de ter praticado assaltos ao Banespa, Banco Mercantil de São Paulo, Quartel de Força Pública, entre outros. Apesar de violentamente torturada na prisão, não desistiu da atividade política após sua libertação. Membro do Partido dos Trabalhadores, foi escolhida pelo Presidente Lula para ocupar cargos em ministérios de seu governo, e depois para candidatar-se a sua sucessão. Herdeira da era Lula marcada por prosperidade econômica e por encaminhamentos para minimizar os males da histórica injustiça social do país, em 2010 tornou-se a primeira mulher eleita para ocupar a Presidência da República. Reeleita em 2014 teve seu segundo mandato comprometido pela oposição com pedidos de afastamento e com o processo de impeachment julgado pelo Congresso Nacional, e finalmente consumado em 2016.

O combustível que movimentou a máquina do impeachment foi formado pela mistura de diversos ingredientes: a recusa do candidato do PSDB em aceitar a perda da eleição; as prisões pela Operação Lava Jato de membros do PT envolvidos com corrupção; os embargos dos projetos da presidência pelo Congresso Nacional; o pagamento de propinas a parlamentares para obtenção de votos contra a presidência; os conchavos entre grupos direitistas dos poderes legislativo e judiciário com grupos das Forças Armadas; o fora Dilma e a campanha antipetista movimentada pela grande mídia brasileira; o motivo frágil das pedaladas fiscais. Não se pode esquecer que do ponto de vista da economia subjetiva, o congresso formado por maioria masculina (em um país com altos índices de feminicídio) manifestou-se contra Dilma Rousseff de maneira machista e com atitudes expressas de misoginia, fundamentando-se em argumentos fragilíssimos de defesa da religião e da família, em preconceito sexista, nacionalismo deturpado e muita hipocrisia, e até em apologia à tortura, durante a votação que foi um dos episódios mais repugnantes da história recente do Brasil.

Uma das obras de maior escala já executadas por Evandro Prado, 2010-2016 / O Processo (2017) é um grande políptico constituído por 97 pinturas a óleo sobre tela. O conjunto alinhado sobre a parede forma um grande painel que trata do processo de impedimento e dos assuntos a ele relacionados. A obra se fundamenta na seleção e reprodução de capas de revistas semanais de alta circulação que formam a mentalidade e dominam a opinião das classes médias do país (Veja, Isto É, Exame, Época, Carta Capital, Caras). Capas que estamparam a imagem da Presidente Dilma Rousseff acompanhada de manchetes de teor negativo, entre a primeira campanha eleitoral e o impeachment. O fato é que as manchetes abordam pejorativamente acontecimentos da trajetória de Dilma e até chamam pelo seu afastamento e impedimento do exercício de presidente: “O Passado de Dilma”; A candidata e o câncer”; “Você acha que sou um poste?”; “A mão de Lula”; “Sim, a mulher pode”; “A força feminina no poder”; “Dilma busca seu governo”; “O purgatório de Dilma”; “Como salvar o mandato”; “A recessão chegou. E agora?”; “A batalha de Dilma”; “Por que quando a Dilma cai a Bolsa sobe”; “O que falta pra ela sair?”; “A volta do impeachment”; “Não vai ser golpe”; “Os 7 crimes de Dilma”; “A presidente encurralada“; “Tchau querida, tchau querido “. É um trabalho que mostra como a imprensa nacional desempenhou papel importante como instância criadora de imagens desgastantes da figura da presidente e como geradora de pressão política por parte da opinião pública.

É mínimo o processo de edição feito pelo artista na transposição das capas para as pinturas. São retirados apenas os textos secundários e totalmente preservadas as logomarcas, as manchetes principais e as fotografias. Na transposição das imagens das capas para a tela Evandro Prado executa pintura rápida e precipitada, como se a rapidez dos acontecimentos e os equívocos políticos devessem perpassar o movimento das pinceladas. Existe algo de tosco a atravessar o conteúdo e o continente do trabalho.

Quase sempre é só o retrato de Dilma Rousseff o protagonista das capas. Inicialmente aparece exibindo sorrisos, gradualmente adquire feição de vitoriosa e confiante, depois passa à expressão de angustiada, preocupada e abandonada, retratada pelos aspectos da sua fragilidade. Também a caricatura é usada para levar ao grotesco, ao esvaziamento e ao desgaste a imagem da presidente. São poucos coadjuvantes a compartilhar algumas cenas: Lula é o que mais aparece, ora como um mestre ora como vilão; a filha surge discretamente; Erenice Guerra, sua substituta no Ministério da Casa Civil; Graça Foster, ex-presidente da Petrobras; Vice-Presidente Michel Temer, sucessor do cargo e grande articulador beneficiário do impeachment.

2010-2016 / O processo foca na importância do retrato de autoridades para a composição do gênero da pintura histórica. Porém, o artista trabalha não com o modelo real como reza a tradição, e sim com uma imagem de segunda geração de base fotográfica, produzida conforme a estética sensacionalista da grande mídia. E nesse sentido a obra compõe um retrato do retrato que a imprensa brasileira fez de Dilma Rousseff, o que enfatiza que sua história, também, é de luta contra a imagem negativa que a imprensa fez dela. No mundo contemporâneo as imagens de segunda geração produzidas pelas grandes mídias e pela indústria cultural formam e dominam quase que exclusivamente o imaginário da população. Rousseff foi refém deste tipo de imagem que moveu a população contra ela.

Como a sequência das pinturas obedece ao ordenamento cronológico das capas, o primeiro retrato, a capa da revista Época acompanhada da manchete “O passado de Dilma”, é apresentado na montagem destacado do grande bloco pictórico, e representa justamente a foto de Dilma Rousseff resgatada da ficha policial feita pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) quando de sua prisão em São Paulo; é um documento que, sobretudo, registrou o quanto a expressão da jovem militante esquerdista foi firme diante da tortura e da violência sofridas no cárcere. A sequência exibe a clara campanha efetivada durante anos a fio por capas partidaristas e machistas de ataques políticos, visando a demolição da imagem pública e da credibilidade da presidente. Concluindo o painel, a última capa, extraída da revista Carta Capital, mostra o encerramento da era Dilma silenciosamente, sem manchete, ostentando uma foto da ex-presidente derrotada, saindo de lado com a cabeça baixa quase cortada do campo de visão. Desta forma Evandro Prado nos faz ver como as grandes corporações da imprensa nacional operaram com a manipulação da opinião pública, como atuaram no processo histórico de desmanche do governo e do impedimento da presidente Dilma Rousseff.

É conhecida a não isenção das grandes corporações de comunicação de massa que por meio de extensas cadeias de veículos (revistas, jornais, emissoras de televisão e de rádio, sites de notícias, mídias de publicidade) noticiam acontecimentos, interpretam fatos, emitem opiniões, vendem ideias, divulgam produtos, persuadem a população em conformidade com seus próprios interesses ou de parceiros ideológicos/mercadológicos. Os assuntos da política dominam as pautas da imprensa brasileira: vazamentos de informações; investigações de denúncias; operações judiciais; acordos entre autoridades; escândalos de corrupção; cerimônias oficias. E é justamente pela imprensa que a população brasileira toma conhecimento, ainda que parcial e tendencioso, dos acontecimentos obscuros e sujos que se desenrolam nos bastidores dos poderes constituídos. Os processos políticos e o tratamento que recebe dos meios de imprensa são assuntos que movem as reflexões e as obras de Evandro Prado.

Os setores conservadores da sociedade brasileira naquele momento divulgavam o conceito deteriorado e equivocado da mulher autônoma. Contra Dilma Rousseff circularam imagens de mau gosto como representações da mulher terrorista, a feminista incompetente e feia, da vaca estuprada. Em oposição ao conceito da mulher moderna e emancipada, capaz de desempenhar performances de autoridade, em negação à rebelião feminina representada por uma mulher na Presidência, os grandes grupos da imprensa nacional investiram no conceito tradicional do papel feminino nas sociedades pré-industriais, esposa e mãe, oculta da vida política, silenciada, a serviço exclusivo da família patriarcal.

Evandro Prado, para realizar a pintura “Do lar” (2019) também se apropriou criticamente da engrenagem machista da mídia que movimentou o processo de impeachment de Dilma Rousseff, explicitada em dois momentos pela revista Veja. A matéria de autoria da jornalista Juliana Linhares intitulada Bela, recatada e “do lar” foi publicada quando Marcela Temer era ainda vice-primeira-dama, a cerca de um mês da votação do impedimento; na tentativa vã de minimizar o caráter machista a editoria optou pelo texto de uma mulher para reiterar os estereótipos femininos: beleza, pureza e passividade, ponto de harmonia da família perfeita na qual o homem tem papel público e a mulher, na completa ausência de papel profissional, se fecha nos afazeres domésticos. Outra situação ocorreu quando o retrato de perfil de Marcela Temer foi publicado na capa da revista anunciado pela manchete como a grande cartada do Planalto, também acompanhada da mensagem subliminar sobre como nascem as estrelas, referente a uma matéria sobre música sertaneja; já empossado como presidente e sofrendo crescente rejeição da opinião pública, Michel Temer, com o apoio da imprensa, investiu na imagem de beleza e juventude de sua esposa para desviar-se do desgaste político. Em “Do lar” o artista reúne elementos das duas edições da revista Veja (capa de uma e artigo de outra) criticando os padrões femininos que a grande mídia deseja impor às mulheres brasileiras.

O machismo e a intolerância com a participação de mulheres em cargos de liderança, predominantes no comportamento de grupos políticos conservadores, foram ingredientes que fermentaram durante o processo de impeachment. A pintura intitulada Folha (2017) é uma reprodução caricatural da capa do jornal Folha de São Paulo publicado no dia 13 de maio de 2016. Um dia após a aprovação pelo Senado do afastamento de Dilma Rousseff, este importante veículo da imprensa nacional noticiou o empossamento de Michel Temer como presidente interino com uma fotografia do discurso de posse legendada pela manchete “Temer assume e defende reformas e gasto social”. A pauta de cortes dos benefícios sociais tornou-se crescente durante o período posterior ao impeachment decretado em agosto de 2016, e foi consumada com a eleição da extrema direita para a Presidência do Brasil, em 2018. A fotografia publicada na capa da Folha de São Paulo exibe o poder preconceituoso, machista tonalizado por misoginia, que se instalou logo após o impeachment. Sem presença de mulheres, de negros ou de representantes de minorias, o governo Temer foi constituído apenas por homens brancos e heterossexuais, seguindo regras de aliança com o capital, manutenção dos métodos de corrupção, conservadorismo social, moralismo, hipocrisia e atraso intelectual.

Um outdoor é o suporte da obra Governo Federal 2 (2018) que comenta a divulgação pela imprensa do vazamento da gravação da conversa travada entre o então Presidente Michel Temer e o empresário Joesley Batista, um dos donos do Frigorífico JBS, realizada de forma não oficial e em horário impróprio na residência da vice-presidência. O conteúdo do encontro escandalizou o país com o pacto entre o líder do executivo e um empresário envolvido em processos de corrupção. A fala de Temer “Tem que manter isso aí, viu” dita como endosso ao pagamento de propina ao ex-deputado Eduardo Cunha para manter seu silêncio diante da Polícia Federal, é reproduzida sobre a superfície do outdoor, escancarada diante do olhar do público, devolvida como espetáculo da bizarrice política. O outdoor é um meio usado para vender sonhos de consumo ao público, suporte para anuncio e divulgação de diversos objetos de desejos, raramente é usado para denuncias. Mas, talvez, a obra não queira mesmo denunciar, e sim nos apresentar o desejo de corrupção como um desejo negativo, nocivo, entranhado na subjetividade de determinados grupos sociais que controlam o Brasil viciados no poder, no dinheiro sujo e no crime.

A exposição apresentada no Centro Cultural São Paulo, dentro do Programa de Exposições 2019, selecionada em edital, reúne duas obras que refletem sobre acontecimentos da história e da política recentes do Brasil. São obras inter-relacionadas que desenvolvem uma narrativa alinhavada por questões sobre gênero, mídia e poder. Nos trabalhos ficam evidentes os procedimentos técnicos e conceituais adotados por Evandro Prado em seu processo de criação: a transcrição de material apropriado da imprensa para os suporte tradicional da pintura, no sentido de uma linguagem pop politizada; o exercício de colecionismo de imagens que desemboca na seleção e categorização regidas pelo raciocínio curatorial próprio do artista, que relaciona, edita e agrega imagens e textos extraídos tanto do passado quanto da atualidade.


Divino Sobral

Goiânia, abril de 2019