Repercussão da exposição "Habemus cocam" (2006)

por Aracy Amaral

Evandro Prado:

Em primeiro lugar, envio-lhe minha total solidariedade tendo em vista a repercussão negativa da igreja e câmara de campo grande em relação à sua exposição.

Parece mesmo que estamos vivendo em época de estranho obscurantismo (era de fundamentalismo cristão de bush e fundamentalismo islamico), que com espanto vejo abordar o brasil, país conhecido por sua liberalidade sob esse aspecto.

Essas autoridades locais (tanto municipais como religiosas) não parecem conhecer a necessidade de livre expressão, pois nem na época do regime militar ocorriam fatos como esse que v. relata ter ocorrido ai em campo grande.

Aliás, é igualmente um desconhecimento mínimo de historia da arte do século XX. afinal, o dadaismo, na segunda década do século passado, já fazia zombarias aos costumes conservadores, salvador dali pintou o cristo na cruz, e no movimento "pop" a partir dos anos 60, no brasil como no mundo mesmo imagens religiosas foram apropriadas pelos artistas.

Aliás, o artista nelson leirner tem talvez o seu melhor trabalho focalizando o cantor roberto carlos (nos anos 60) rodeado de imagens de santos tradicionais do brasil (como s.benedito, n.s.aparecida, santo antonio entre outros) e essa instalação dele, hoje antologica,um classico da arte "pop" no brasil , é parte do acervo do masp (museu de arte de são paulo). leon ferrari na argentina, igualmente, discute a igreja conservadora também em instalações com imagens sacras, e na venezuela artistas contemporaneos fizeram do sagrado coração de jesus tema de sua obra.

E o artista não pode então lançar mão de temática religiosa para suas obras? se formos pensar assim, mesmo ao nivel de centro-oeste, daqui a pouco não poderiamos mais aceitar que o fizesse o magnifico poteiro, que se baseia totalmente na tematica religiosa ! e falando em erotismo, não deve esquecer também essa região a contribuição de adir sodré, que durante muitos anos expôs senso de humor aliado à sátira erotica!

Logo, essa grita com seu trabalho só pode proceder de quem não está a par da licença poética de que se vale um artista contemporaneo para criar. E vejo muito mais seu trabalho vinculado à crítica social e política, valendo-se para isso de imagens da religiosidade popular.


Aracy Amaral

Escritora, Pesquisadora e Crítica de Arte. Curadora-coordenadora do rumos Itaú Cultural 2005-2006

maio/2006