Revisitar a História (2021)

por Joaquin Sanchez

REVISITAR A HISTÓRIA

Os outros mapas

A necessidade de viajar pela América e zarpar em momentos de sua história para construir mundos a nossa medida, tem sido a base para o desenvolvimento deste projeto. Do estúdio do artista se traçam mapas do espaço habitável. Está no pano de fundo de todo o trabalho desse criador íntimo, deixar uma fenda aberta para espiar para dentro.

Evandro Prado é um artista multidisciplinar que transita entre escultura, instalação, fotografia, vídeo, desenho e pintura, muitas vezes combinando-os. Suas peças mantêm um fio crítico. Refletem sobre a história, a utopia e os processos sociais, destacando suas ironias. Nesse sentido, sua obra adquire um sentido testemunhal. Em outra direção, estiliza uma estética de abstrações refinadas de molduras e perfis de edifícios urbanos. Seguindo seu interesse pela arquitetura, seu trabalho se baseia cada vez mais na criação de estruturas complexas, muitas vezes discutindo as estruturas de seus edifícios icônicos em pinturas e instalações.

Igrejas, praças, edifícios, monumentos e esculturas públicas, ícones e imagens manipuladas e desconstruídas fazem parte do universo criativo de Prado. Talvez o seu país real seja uma ópera ou uma canção popular, e sua religião seja um tratado enciclopédico ou a capa de uma revista de moda. Um artista de estúdio, amante do desenho, da pintura e do detalhe, mas que não liga para os limites. Deixa na sombra os suportes construídos por camadas históricas, deslizando para uma pintura que não é necessariamente narrativa - não importa se é abstrata ou figurativa - que faz de uma linha o eixo entre a vida e a representação.

A política espacial e as estruturas sociais cotidianas são frequentes na prática de Evandro Prado. Sua relação com a história e o polêmico problema da produção de imagens é tão cética quanto afirmativa. Faz uma apropriação crítica de imagens fotográficas de revistas e questiona a história do pós-modernismo e sua relação com a tecnologia e o capitalismo.

Prado constrói esculturas volumétricas ou pintadas e as isola de seu contexto. Livre de invólucros e ambientes rígidos, torna-os objetos que contam novas histórias.


CONTRAMONUMENTOS

Recontar a história

Desmonumento nasce do desejo de repensar nossa história por meio de esculturas públicas monumentais destinadas a adornar a fisionomia urbana. Os monumentos responderam a imperativos de legitimação ideológica colonial, escravista e militar, encrustados no tecido urbano. Tratam-se de fatos e personagens, com presença tangível, que contaram histórias do imaginário colonizador, constituindo os alicerces de sua didática cívica. Muitas dessas peças foram encomendadas a oficinas de escultores europeus especializados. Foram traçadas a partir de modelos de capitais do velho continente.

Evandro Prado nos leva a uma viagem pela América do Sul, revisitando diferentes monumentos públicos, recolhendo a memória colonial partilhada. São peças que emergiram de espaços de poder predominantes, da política e da religião, que concretizaram narrativas nacionalistas hegemônicas. O artista observa os mecanismos que sustentam os processos de construção das histórias e dessas esculturas repletas de opulência e monumentalidade.

Nos anos 60, a tradição monumental começou a perder sua legitimidade graças ao surgimento de um novo paradigma que redefiniu a relação entre documento e monumento.

Monumentos contemporâneos são antimonumentos em sua interpretação e ressignificação da história. Proporcionam suportes plausíveis para a memória, mesmo quando solapam as formas tradicionais de comemoração. No final dos anos 80, a arte pública começou a evoluir para cumprir uma função social, artística e documental, que cruzava com as experiências coletivas e individuais. Produziu-se híbridos técnicos que se estendiam por meio de disciplinas e artefatos, às vezes contingentes e perecíveis.

É este o sentimento que toma Prado com as peças que edificam os seus Desmonumentos. Aquarelas de pequeno formato em uma paleta de verdes frios, cinzas prateados, azuis gelados e toques de ouro, mutilam monumentos para colonizadores e líderes militares da ditadura, posando alegremente em pedestais de mármore. Assim, as peças realizam uma crítica a parte mais dolorosa e sangrenta de nossa história latino-americana.

Este projeto nos situa na era pós-monumental. Obras de pequeno formato se movem entre polos opostos; entre presença e ausência, persistência e temporalidade, materialidade e imaterialidade. Implicam a condição de monumentos concebidos como híbridos transdisciplinares, que incorporam uma nova contingência histórica no contexto da arte pública contemporânea, que vem produzindo grandes transformações sociais e culturais.

Prado desenha decartografias povoadas por novos monumentos em tempos de desmonumentalizar. É um relato que corre para os personagens dos bustos e cédulas, das ruas e dos bronzes, para negá-los, fazendo reaparecer das brumas da história, as mulheres, os negros e os indígenas, sem peregrinação, sem cimento ou brilho falso. Não apenas uma nova história, mas também a reconfiguração física, a agenda política e os objetos que se constrõem, compõem a identidade de novas cidades e países.

Há quase duas décadas, numa viagem ao Mato Grosso do Sul, Brasil, conheci Evandro Prado, um jovem criador cujas primeiras obras tinham uma reflexão poética, eram apaixonadas, provocadoras e vislumbravam um destino artístico inevitável.

Joaquin Sanchez

Artista curador, La Paz – Dezembro de 2021