Um ensaio visual contra a manipulação da imagem (2019)

por Marcia Tiburi

Dilma Rousseff foi vítima de todos as violências simbólicas que uma mulher pode sofrer em um mundo machista. E por ser um corpo de mulher no poder, ela foi atacada por meio da única parte de seu corpo tangível ao discurso e ao imaginário, sua imagem. Ela foi exposta, massacrada, reconstruída por um discurso misógino. Mas ela permaneceu altiva, não se curvou ao jugo de seus detratores, à pressão midiática ou às chantagens dos seus opositores e das corporações que promoveram o golpe em 2016, sem que ela tivesse praticado crime algum. Ao contrário, sendo vítima de um crime de lesa-pátria.

O golpe foi justificado e legitimado pela ideia de que sem Dilma Roussef no poder o país voltaria a crescer e sairia da crise. Assim, tudo ficaria melhor. Mas melhor para quem? Melhor para a pequena elite do atraso do Brasil, pior para os pobres, que, movidos pelo imaginário construído, também odiaram a presidenta. Dilma foi a primeira mulher a ocupar o cargo da presidência da República e, por ser mulher, foi odiada e detratada. Mulheres são alvo de ódio desde sempre. O nome dessa histórica respulsa às mulheres é misoginia. E esse ódio se torna maior quando essa mulher ocupa espaços de poder.

As massas tiveram seus afetos manipulados e odiaram a primeira mulher eleita democraticamente presidente. Como símios, estas massas imitaram o ódio do patrão midiático que ditaram o texto e os gestos a serem repetidos pela população. Dilma falava que era a presidenta em vez de presidente, o que escandalizou aqueles que não conhecem a riqueza da língua portuguesa. Logo, ela foi reduzida a uma expressão inominável, era chamada de “essa mulher”, inclusive por mulheres que não enxergavam a si mesmas. Na verdade, ela ofendia por, em meio a tantos homens, ser uma mulher a ocupar o cargo máximo da nação.

A participação das revistas é alegórica das atitudes de toda a imprensa. Ali, na capa da revista, a imagem manipulada deveria apresentar o que se deve dizer de uma mulher segundo a cartilha misógina. Que ela é louca, irracional, histérica, excessiva, incompete, triste, infeliz, incapaz. Sobretudo, que uma mulher, na forma de uma imagem, é o assunto central. Talvez nem mesmo Lula tenha sido tão montado e desmonstado pelas revistas – pela imprensa, pelo imaginário - como foi Dilma Rousseff.

O trabalho de Evandro Prado coloca uma lupa sobre esse fenômeno. Por meio da pintura, ele nos faz ver aquilo que a publicidade política negativa concentrada nas capas das revistas tentava esconder. Seu trabalho conjuga a antropologia visual e as poéticas visuais em uma teoria da imagem crítica. Um trabalho que poderia ser uma tese de doutorado.

Dilma Rousseff não terminou seu segundo mandato e, hoje, podemos dizer que o Brasil, por meio de seu descaso com a política, que resultou na espantosa vitória de Jair Bolsonaro que defende a tortura pela qual Dilma passou, teve o que queria.

Uma pena que a capacidade de pensar e de refletir continuem em baixa. Que o trabalho de Evandro nos ajude a recuperar a capacidade de visão perdida na cortina de fumaça que é a ideologia capitalista ultraneoliberal que, nesse momento, domina a nação.


Marcia Tiburi